Charger & Challenger


Os musculosos da Dodge

O Charger e o Challenger simbolizaram uma época de
potência e esportividade para a marca americana

Nos anos 1960 um novo paradigma surgiu no mercado americano que marcou a história do automóvel para sempre. Baseados na mistura de carros compactos com motores potentes foram criados os muscle cars, ou "carros musculosos" (leia história), que se transformaram em um fenômeno de vendas. Dentro dessa categoria dois modelos se tornaram imortais: os Dodges Charger e Challenger, que elevaram ao máximo a denominação desse conceito.

Charger: resposta à concorrência Em 1966 a Chrysler acompanhava insatisfeita o Pontiac GTO, o Ford Mustang e o Chevrolet Chevelle marcarem as ruas e estradas dos Estados Unidos com seus volumosos motores. Visto que não poderia ficar para trás nesse novo segmento, dos carros de acabamento simples e potente motorização, a marca da estrela de cinco pontas logo lançava seu representante: o Charger, um fastback derivado do Coronet, que acabara de ser reestilizado.


O primeiro Charger, de 1966: uma versão fastback do Coronet, com colunas traseiras alongadas, faróis ocultos sob a grade e boas opções de motor V8, de até 7,0 litros


O novo Dodge exibia um visual inovador e agressivo, com os faróis escondidos por uma grade, o que somado à ausência da coluna central e à enorme máscara, que cobria todo o conjunto ótico traseiro, deixava claro seu apelo esportivo. Uma promessa devidamente cumprida, pois os motores disponibilizados pela Chrysler eram verdadeiras usinas de força.

Vários modelos eram oferecidos, desde o “pacato” 318 V8 (5,2 litros) de 230 cv de potência bruta (como todas as citadas neste artigo, salvo menção em contrário), similar ao do Charger R/T brasileiro, até o enorme e lendário 426 V8 Hemi (7,0 litros), que tinha dois carburadores de corpo quádruplo (quadrijets) e cabeçotes de alumínio com câmaras de combustão hemisféricas, a origem de sua denominação. Este motor foi adaptado das pistas de corrida para as ruas, tendo sua taxa de compressão reduzida.


O motor 426 Hemi vinha das pistas e fornecia 425 cv brutos. O Charger R/T 1968 já exibia novo estilo, com janelas laterais menores e um perfil mais equilibrado

O 426 de rua tinha potência de 425 cv, torque de 67,7 m.kgf e levava o Charger de 0 a 96 km/h em 6,4 segundos. Podia vir equipado com câmbio manual de quatro marchas ou automático de três; o restante das versões era vendido com caixa manual de três marchas. O Hemi vinha ainda com suspensão, freios e pneus redimensionados e a opção de freios dianteiros a disco.

Em todo Charger a suspensão traseira trazia uma mola semi-elítica adicional no lado direito, para conter a tendência da carroceria em se inclinar para esse lado nas acelerações vigorosas, o que leva à perda de tração da roda esquerda. A estrutura era monobloco, com chassi e carroceria integrados.


O sucesso do Charger foi imediato: no ano de seu lançamento foram vendidas 37.344 unidades. Além do desempenho, contribuíam o preço, que oscilava na casa dos US$ 3 mil (US$ 17 mil atualizados), e a excelente garantia de cinco anos ou 50 mil milhas (80 mil quilômetros). Desse total apenas 468 unidades tinham a motorização 426 Hemi, o que logo a tornou uma raridade.


A aparência frontal agressiva, sem faróis aparentes, insinuava o desempenho que o Charger R/T extraía dos grandes V8 de 5,2 a 7,2 litros -- este último, o 440 Magnum, com 375 cv brutos

Um ano depois era lançada nova motorização: o 440 V8 Magnum (7,2 litros), que despejava 375 cv de potência e 66,3 m.kgf de torque. O 426 Hemi continuava sendo oferecido mas, mesmo com menor potência, o Magnum se tornava o motor mais cobiçado do modelo, devido ao alto custo do 426 e sua menor confiabilidade (o 440 era derivado dos utilitários Chrysler). No desenho pouca coisa mudava, apenas a opção de teto em vinil.

Ganhando esportividade A primeira reestilização vinha em 1968. O Charger ganhava uma nova carroceria, com linha de cintura alta, que conferia maior robustez, faróis escamoteáveis sob uma profunda grade negra, pára-choques mais estreitos que se integravam ao pára-lamas, faróis de longo alcance, vincos nas portas, coluna traseira com ângulo reto e largo, lanternas duplas e redondas. Os vidros laterais traseiros eram menores e triangulares, o que garantia a agressividade do novo estilo. Era um carro totalmente diferente do modelo anterior, com linhas mais retas e imponentes. É reconhecido como um dos mais belos carros da década de 1960.

Nas Pistas

Foi na década de 60 que a indústria americana percebeu a validade da máxima "Win on Sunday, sell on Monday", isto é, "vença no domingo e venda na segunda-feira", uma expressão para o sucesso de mercado trazido pelas vitórias em competições. E o Dodge Charger Daytona (nome escolhido em alusão à pista onde o primeiro Hemi competiu, em 1964) foi, ao lado do Plymouth SuperBird, o modelo escolhido pela Chrysler para essa missão.

Essas versões dos carros de rua ficaram conhecidas como Aero Warriors, guerreiros aerodinâmicos, por seu desenho peculiar e notável desempenho. A idéia de melhorar a aerodinâmica nasceu da constatação de que estava cada vez mais difícil -- e caro -- extrair mais potência de motores como o 426 Hemi da Chrysler e seus arqui-rivais, os 427 e 429 V8 da Ford.

O Daytona estreou na NASCAR Grand National em Talladega, em meados de 1969, e venceu em torno de um quarto das provas de que participou, nesse ano e no seguinte. O piloto Bobby Isaac acabou conquistando o título de 1970, apesar do favoritismo do SuperBird no início da temporada. Seu êxito poderia ter prosseguido, não fosse a restrição de cilindrada (máximo de 305 pol3, 5,0 litros) introduzida para 1971. A marca considerou inviável retrabalhar os veículos para que permanecessem competitivos. Mesmo assim, com um Charger o piloto Richard Petty vencia em 1974 pela quinta vez a 500 Milhas de Daytona e também o campeonato de pilotos.

Além da NASCAR, o Daytona brilhou nas pistas através de recordes de velocidade. Em 24 de março de 1970, no circuito de Talladega, no estado do Alabama, o piloto Buddy Baker acelerou o Daytona número 88 até 200,447 milhas por hora (322,519 km/h), tornando-se o primeiro piloto a romper a mágica barreira das 200 mph em um carro da NASCAR (duas fotos superiores). No ano seguinte, em setembro, era a vez de Bobby Isaac chegar a 201,104 mph (323,576 km/h) com o Daytona número 71 nos famosos lagos de sal de Bonneville (fotos inferiores).

Em 1969 a Dodge lançava as duas versões especiais mais famosas, o Charger 500 e o Charger Daytona. Eles eram a resposta da marca, que no ano anterior não conseguira superar a Ford na NASCAR, a tradicional categoria americana que serviu de inspiração para nossa Stock Car (saiba mais). O Charger 500 tinha como grande diferença o vidro traseiro, mais arredondado, que acompanhava a coluna posterior, proporcionando melhor fluxo de ar, e que se tornaria padrão nos modelos subseqüentes. O carro passou por extensos testes no túnel de vento para vencer a aerodinâmica da Ford. Sua motorização seguia como nos R/Ts, baseada no 440 e no 426.

Em 1968 o Charger era "ramrod", rígido, e em 1969 "wailer", aquele que reclama:
o torque abundante era bem explorado pela Dodge em sua publicidade

O Daytona era um caso à parte, significando o máximo da extravagância da Dodge. Um longo "nariz" tipo tubarão à frente do capô e enorme aerofólio traseiro conferiam ao modelo um melhor coeficiente aerodinâmico (Cx) e uma sustentação negativa que "grudava" o carro no chão. Eram fundamentais para participar de um campeonato em que quase todas as provas eram disputadas em circuitos ovais, com mais de 30% de inclinação nas curvas (leia boxe).

Durante os testes a Chrysler utilizara um aerofólio comum, mas a pressão aerodinâmica era tão forte que chegava a amassar a tampa do porta-malas nos pontos de apoio. A solução foi ancorar o aerofólio nas extremidades laterais. Como o porta-malas precisava ser aberto, a única solução encontrada foi elevar o aerofólio, que acabou ficando com dimensões gigantescas.




Nos demais modelos de rua o Charger 1969 trazia itens dos modelos de competição, como as grandes lanternas retangulares traseiras, a nova grade dianteira com uma divisão central e luzes de posição nas laterais. Outra novidade era a série SE (Special Edition), que oferecia acabamento em madeira, bancos esportivos mais baixos e rodas especiais -- não era uma versão despojada, como no Dart nacional. O pacote SE era oferecido tanto nos Chargers comuns quanto nos R/Ts. Neste ano também o Charger era vendido com o motor 440 Six Pack, de três carburadores duplos, que equipava apenas o Dodge SuperBee e o Plymouth RoadRunner.

O ano de 1970 não trazia grandes novidades, o que influenciou nas vendas do Charger. As maiores diferenças eram as opções do motor 318 no Charger 500 e do 440 V8 Six Pack de 385 cv no Charger R/T. Este ganhava também um vinco lateral nas portas, a grade voltava a ser completamente vazada, sem a coluna central, o pára-choque era fundido com o adorno da grade e capô tinha tomadas de ar maiores. Mas as modificações não foram suficientes para segurar a queda das vendas.


O começo do fim No ano seguinte, 1971, o Charger passava por sua segunda reformulação. Recebia uma grade mais larga com quatro faróis circulares expostos, faróis auxiliares retangulares e novo formato da coluna traseira, que se prolongava até a traseira e acentuava o formato fastback. As linhas laterais eram substituídas por um desenho mais arredondado e limpo, além das duplas entradas de ar nas portas. Nessa época a Dodge já havia lançado o Challenger (leia adiante) e as mudanças no Charger distinguiam as pretensões e objetivos de cada um dos modelos.


A grade adotada no modelo 1970 perdia a coluna central, mantendo os faróis camuflados: apesar dela e dos 10 cv adicionais no 440 Six Pack, o Charger estava em declínio de vendas


O resultado da plástica deu ao Charger um perfil mais dócil, com melhor aerodinâmica, mas o carro perdeu parte do seu espírito esportivo. Esse foi o último ano dos motores 426 Hemi e 440 Six Pack, devido às rigorosas leis de emissões que começavam a vigorar nos Estados Unidos. Como uma forma de compensar a perda, a Chrysler lançava o pacote SuperBee, derivado do Dodge de mesmo nome, com o motor 383 V8 Magnum (6,3 litros) e 335 cv. Mas ele sobreviveu apenas um ano.

O ano de agonia do Charger foi 1972, quando a marca encerrou as vendas do R/T e do SuperBee. Era um sinal de que o fim dos muscle cars estava chegando. Os fabricantes estavam reduzindo a taxa de compressão e empobrecendo a mistura ar-combustível de seus motores, e os carros perdiam muito em potência e desempenho. A alternativa era o Rallye Package, que não tinha o mesmo brilho do R/T e só trazia modificações estéticas. Nesse ano-modelo o Charger voltava a usar faróis camuflados.


Em 1971, a renovação que retirou sua esportividade: os faróis eram expostos -- o que duraria apenas um ano -- e o perfil estava mais sóbrio, sinalizando as reduções de potência que viriam mais tarde

Em 1973 o Charger recebia um novo retoque de estilo, que o transformava em um carro de luxo, fugindo ao conceito despojado dos muscle cars. Agora possuía teto solar, os vidros traseiros eram fixos, as tradicionais tomadas de ar no capô eram retiradas: transformava-se em um carro comportado. Os pacotes Rallye e SE continuavam sendo oferecidos. Apesar da perda de identidade, o carro vendeu bem, pois se adequava à realidade da época.

O ano de 1974 ficou marcado pelo fim da carroceria esportiva do Charger. Já não fazia mais sentido manter as configurações do modelo que estava se tornando um cupê pesado e sem esportividade. Diante do início da crise do petróleo um ano antes e da implacável legislação antipoluição americana, não só a Dodge, mas todas as marcas estavam descontinuando seu portentosos fastbacks e cupês anabolizados.


Nesse ano motor 440 tinha a potência reduzida para 275 cv (agora líquidos, conforme novo padrão de medição adotado nos EUA em 1972). O Charger continuou sendo vendido até 1978, mas em 1975 passava a ser apenas um clone do Chrysler Cordoba. Muitos entusiastas pregam que o carro morreu em 1974 e não reconhecem como Chargers os modelos vendidos a partir desse ano.


Nos últimos anos apenas a carroceria de três volumes bem definidos foi oferecida (este é de 1971), não mais a fastback: para muitos, os modelos de 1975 a 1978 não são considerados Chargers


Chal
lenger, o pony-car Em 1965 os engenheiros da Dodge iniciavam o projeto de um pony-car, um carro para competir de igual para igual com o Mustang e o Mercury Cougar. Baseado no "primo" Plymouth Barracuda, que se tornou mania nos EUA, o novo Dodge tinha o objetivo de ampliar as opções da Chrysler nesse segmento. O projeto coordenado por Carl Cameron, que também projetou o Charger, teve os primeiros protótipos produzidos em 1968 e, em 1970, era apresentada a versão definitiva da carroceria montada sob o E-Body, a plataforma derivada do pequeno chassi B-Body da corporação.

O Challenger chegava ao mercado nas configurações cupê e conversível, com acabamentos básico, SE, R/T e R/T SE. Havia oito opções de motorização, do 198 pol3 (3,2 litros) de seis cilindros e apenas 101 cv até o poderoso 426 V8 Hemi de 425 cv. O topo de linha, o Challenger R/T Hemi, atingia a máxima de 235 km/h e percorria o quarto de milha (402 metros) partindo da imobilidade em 14,1 segundos.


"Este pônei tem cavalos": a Dodge ironizava a denominação pony-car, iniciada com o Mustang e o Barracuda, ao apresentar o Challenger para 1970

Oferecia câmbio automático de três marchas ou manual de quatro e seu chassi, reforçado, era semelhante ao da versão conversível. Esse desempenho fez com que o carro se transformasse na vedete dos que aceleram nas ruas. Como todo muscle car, tinha suspensões precárias, com eixo rígido na traseira, que não permitiam grande entusiasmo nas curvas. Seu interior era espartano, com bancos baixos, revestidos de tecido ou couro, e apliques em plástico, mas dotado de bom painel de instrumentos.


Além do Mustang, o novo Dodge era a resposta da marca à dupla Chevrolet Camaro e Pontiac Firebird, lançada em 1967. Seu desenho assemelhava-se ao do Barracuda, com um interior espaçoso para o motorista e o passageiro da frente. Tinha um enorme capô com grandes tomadas de ar, grupo ótico duplo, traseira curta e linha de cintura alta e corpulenta. O aerofólio traseiro marcava sua personalidade arisca. No ano de seu lançamento vendeu mais de 76 mil unidades, apenas 355 com o 426 Hemi. Seu sucesso foi tanto que influenciou nas vendas do Charger, que tinha as mesmas opções de motorização, mas era mais pesado.


A versão conversível também tinha adeptos entre os fãs do Challenger. Nesta publicidade, um trocadilho com a cor violeta dizia que o Challenger na cor "Ameixa Louca" não era "shrinking violet", ou acanhado


Ainda em 1970 era lançado o Challenger T/A (Trans Am), uma edição especial produzida para as competições do SCCA (Sports Car Club of America). Tinha o motor 340 (5,6 litros) com três carburadores de corpo duplo, Six Pack, que despejava 290 cv e 47 m.kgf de torque, além de suspensão esportiva Special Rallye, rodas de 7 x 15 polegadas, capô de plástico com fibra-de-vidro, tomadas de ar dinâmico (as chamadas Ram Air Scoops) e escapamentos laterais, que seriam ressuscitados 22 anos mais tarde pelo Viper.

Seus principais rivais eram os Mustang Boss 302 e o Camaro Z28, que faziam enorme sucesso entre os "pilotos de rua". As vendas do modelo foram significativas, atingindo 2.539 unidades, o que garantiu sua homologação para as competições. Apesar do êxito, o Challenger já em 1971 sofria os efeitos da legislação de emissões. Os motores 383, 426 Hemi, 440 Six Pack e 440 Magnum, este com quatro carburadores, tiveram perda de potência com a redução da taxa de compressão. Para amenizar o prejuízo, a Dodge disponibilizou no R/T o motor 340 Six Pack, antes exclusivo do T/A.


Estilo imponente, interior simples e oito opções de motores, do seis-cilindros de 101 cv até o 426 Hemi V8 de 426 cv brutos: a receita de sucesso do Challenger.


No ano seguinte o Challenger sofria novas perdas de desempenho. Os enormes 426 Hemi, 440 Magnum e também o 383 eram retirados do mercado. Restava apenas o 340 Six Pack, com 240 cv, que também se despediria no final de 1972. Isso fez com que o Challenger R/T fosse substituído pelo Challenger Rallye com o 340 Six Pack. Seu estilo sofria pequenas alterações como a nova grade dianteira, menor e separada dos faróis.


O Challenger T/A: motor 340 com carburadores triplos, 290 cv, suspensão esportiva, escapamentos laterais


Em 1973 o Challenger continuava a perder potência, abrigando motores cada vez menores e mais comportados, como o 318 V8, encerrando sua fabricação em 1974. Um estudo de segunda geração chegou a ser exibido como carro-conceito, o Dodge Diamante, mas nunca foi produzido.


Apesar de ter sido um projeto cuidadoso, o Challenger, que se tornou um mito da categoria, não teve vida longa. Devido às severas leis antipoluentes e também à proeminente crise do petróleo, em pouco tempo os supermotores do Challenger começariam a ser amordaçados, da mesma forma os de seus concorrentes, terminando sua produção aos quatro anos de vida. Tudo isso faz com que o Challenger seja considerado como um dos mais raros e importantes pony-cars da história.



Em 1971 o Challenger R/T, ao lado, ganhava o motor do T/A: foi o último ano de alto desempenho para esse Dodge, pois logo os V8 383, 426 e 440 eram retirados da linha

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